quinta-feira, 17 de março de 2011

PEIXE NA MANTEIGA OU SOBRE TRABALHADORES E EDUCAÇÃO?


Aos leitores, outro texto. Boa leitura!
Doriedson Rodrigues


É sábado. O sol convida a gente pra sentar na praia; e a praia chama a gente pra conversar com os amigos, intimar-se com a família e almoçar tucunaré na manteiga e fervente arroz ao alho e óleo. O açaí está de licença médica.
(...)
É almoço. A conversa diminui. Garfos, facas e colheres ditam o tom. Bocas se abrem ao peixe.
(...)
Finda o almoço. Satisfação! So-no-lên-cia. Uma quietude de repente me reporta para a escola e trabalhadores, e cá já me vejo ao longe comprometidamente com os botões, enquanto os meninos brincam de bola e o pessoal vai se ajeitando num Café-Brasil-Aldeia[1]. Lembro uma aula sobre a segunda metade do século XX. Recordo a temática: democratização do ensino no Brasil.
Se não me foge a memória, estamos, nesse período, sob a perspectiva do paradigma urbano em detrimento do rural. As cidades, impulsionadas por pretenso progresso industrial – unilateral, porque pensado sob a ótica do capital –, vêem-se envolvidas por uma imensa leva de trabalhadores, oriundos do meio rural, povoando as periferias das cidades, provocando entre a classe dirigente do país o receio de a ordem não ser mantida.
(Decisão)
Foi necessário abrir os portões da escola para esse filho de trabalhador, principalmente quando consideramos o efeito durkheimiano pretendido para a escola: conter as paixões, as desordens que possam afetar o todo social.
            Deixo de pensar nessas coisas por um instante, afinal é sábado. E é praia!
Ledo engano. Tem certas horas que um pensamento puxa outro, como os fios de um tecido.
Vou novamente no embalo do pensar.
Não se tratou, contudo, de uma abertura pensada para o bem do trabalhador. A sociedade industrializava-se, o capital precisava gerar mais lucro, era preciso trabalhadores com condições mais amplas de operar as máquinas; com condições de aumentar a produção. De um lado, buscava-se a diminuição das tensões sociais, a partir da divulgação da educação como instrumento de ascensão social – estude e poderás mudar de vida!. De outro, garantia-se ao capital mão de obra especializada, com o mínimo necessário para operar as máquinas – saber contar, ler e escrever, pelo menos o nome.
(Música Nacional: a gente não quer somente isto: saber contar, ler e escrever, pelo menos o nome)
(...)
            O problema é que essa abertura não foi acompanhada por uma transformação na estrutura educacional que se tinha até então.
(Parei de pensar sobre isso. Bebo coco. Respiro profundamente)
(...)
Abertura.,.transformação...Estrutura educacional ... Dermeval Saviani: etimologicamente escola significava, no grego, o lugar do ócio, do tempo livre.
(Conclusão do dito antes)
Ora, no modo de produção capitalista esse tempo livre nunca esteve sob a perspectiva dos trabalhadores. Condicionados historicamente a garantir o aumento do capital, restava tal liberdade aos donos dos meios de produção, que podiam freqüentar a escola, porque outros lhes asseguravam a sempre sobrevivência/existência. Nos moldes marxistas, a escola foi criada, então, para atender ao burguês, sendo, não raras as vezes, uma extensão da casa desse homem e mulher burgueses. Assim, a escola acabava, para o burguês, sendo igual a sucesso, porque conteúdos, objetivos, desenho curricular, linguagem, dentre outros fatores, eram embasados pelo que essa elite vivia e legitimava como cruciais para continuar mantendo seu status quo.
            (Meus olhos olham bela dona passando ao longe. É bela dona de fato e de direito que meus olhos olham, como a fogosa Antônia, do Larêdo. Meus olhos lembram Pessoa – “o poeta é um fingidor” – a cantar para o leitor atento)
            (Interregno)      
Todavia, quando a massa de trabalhadores passou a ser incorporada no ambiente escolar, a razão acesso e sucesso não se fez materializada na mesma proporção, haja vista que os mecanismos de existência da escola, como os saberes, os procedimentos de ensino, continuaram a ser os que tão bem expressavam o ideário burguês.
(Pausa para um piquiá/pequiá com farinha, que contemplo ser comido, restando-me somente o desejo (Me disseram que ele ataca o fígado!))
(Sem piquiá nem pequiá pra nós, voltam os pensamentos)
Ideário burguês ... Houve então uma democratização do ensino, enquanto acesso, mas sem uma efetiva democratização do espaço escolar, uma vez que o capital cultural por ele almejado e veiculado não era o mesmo construído materialmente pela classe trabalhadora. O resultado só poderia ser índices altos de evasão e repetência, consubstanciando argumentos para a privatização do ensino, abrindo as portas para o mercado tomar a educação como mais um serviço à disposição daqueles que podem pagar ou serem subsidiados pelo Estado (eis a relação público-privado).
(Discurso militante)
Ora, a escola antes era advogada como lugar do sucesso porque os que nela se encontravam detinham o capital cultural por ela exigido. Com a democratização, passou-se a ter uma relação assimétrica entre aprendizes e escola, porque detentores de capitais distintos.
(Indagações)
Estaria então a solução para o equilíbrio escola-sucesso-ensino em os aprendizes renegarem seus capitais culturais, por meio de uma educação compensatória, assumindo totalmente os saberes hegemônicos? Ou lutarem para se verem reconhecidos os saberes dos trabalhadores como elementos importantes para firmação de identidade e classe, consubstanciando fatores cruciais para se apropriar de saberes mais universais, porque importantes também para a disputa por um projeto hegemônico distinto do capital?
(Nota nada conclusiva)
Parece-me que, numa perspectiva da emancipação humana, a solução encontra-se na segunda alternativa. Parece-me.
(...)
Volto à praia. Minha filha me quer a brincar na PRAI-A/PRA-IA lusitana de um Camões, duns “Lusíadas”, não, duns “cametauaras”. Os meninos estão na bola. Vou com ela brincar na areia, fazer castelos, divertir-me com elas e eles, minhas meninas (a mulher e a pequenina) e meus meninos (o goleiro e o manú) e os amigos. Noutro momento hão de me voltar os pensamentos, a segunda alternativa, os saberes, a emancipação, a hegemonia, a escola, os trabalhadores, o ensino. Mas ficam para outro momento os pensamentos.




[1] Brasil é o nome de um bar-restaurante que fica na Praia da Aldeia, em Cametá. Hoje, o nome do bar é o nome do dono do bar, onde se toma também um café.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Cametá e Políticas

Caros leitores,
Abaixo, texto sobre problemáticas no Município de Cametá, Nordeste do Estado do Pará. Trata-se de município com mais de 360 anos. Além de problemáticas, sugerimos soluções
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Cametá e Políticas
Doriedson Rodrigues
Professor da UFPA/Campus Universitário do Tocantins/Cametá. Doutorando em Educação/UFPA

            O município de Cametá, situado no nordeste paraense, possui mais de cem mil habitantes. A cidade data do início do século XVII, ganhando ares de historicidade que ao lado da beleza natural de seus rios, igarapés, peixes, farinha e da gente hospitaleira, dentre outros fatores, lhe têm garantido certo turismo e uma economia que lhe permitem a vida.
            Carece, entretanto, de ações políticas que lhe assegurem essa vida, mas com qualidade que se espera de um mundo em crescente modernização, quer no campo da saúde, do transporte e do lazer, além de outros campos também importantes, como educação e segurança.
            Em termos de saúde, há necessidade de o município descentralizar os tratamentos oferecidos. Todos sabemos que a população cametaense é em sua maioria mais presente na zona rural, onde não raras vezes pode haver um pequeno posto de saúde, levando todo santo dia muitos homens, mulheres e crianças a se deslocarem para a cidade, em barcos ou pelas estradas que se avolumam de dificuldades de trafegabilidade, para buscar solução para seus problemas.
            Parece-nos que a solução estaria na construção de um grande centro médico na outra margem do município, já que a cidade fica na margem esquerda do Rio Tocantins, a fim de se atender moradores das vilas de Carapajó, Curuçambaba, Porto Grande, São Benedito, Vila do Carmo, Bom Jardim e arredores. Isso significaria mais respeito para com os homens e mulheres notáveis desse município. Quem vive na Amazônia sabe como é difícil enfrentar as madrugadas nos rios para bem cedo estar na cidade para enfrentar as filas que existem para se buscar atendimento em campos diversos – que o digam, por exemplo, os ribeirinhos e os munícipes das estradas que se avolumam em noite anterior, sob chuva não raras vezes, em frente à agência da Caixa Econômica em Cametá.
            Em termos de transporte, é inconcebível que até hoje não haja um trapiche público para que turistas e os cametaenses de um modo especial possam acessar a cidade com segurança quando chegam nos barcos que fazem linha na região. Imagine-se a dificuldade que idosos, dentre outros sujeitos, passam para se locomover dos barcos para o cais e vice-versa. Nada menos que certa tortura à dignidade humana de ir e vir com segurança.
            Em termos de lazer, o município precisa de mais praças, áreas de convivência, porque o povo também tem sede de diversão, arte, como já diziam os poetas do rock nacional. O centro da cidade, com seu complexo de praças, é bonito, mesmo face aos bares e lanchonetes que se avolumam. Mas a questão é que a cidade crescera. O município crescera. Nas vilas que também constituem o município ainda temos muitas com necessidade de serem reestruturados ou até estruturados seus espaços de sociabilidade, como Porto Grande, que até hoje não possui o espaço que fica na frente de sua igreja transformado, por exemplo, em uma bela praça, abrilhantando a festa de Santo Tomé.
            Na cidade, faltam praças em bairros como Matinha, Trigueiro, Cidade Nova, dentre outros bairros. Mais praças, mas não só isso, permitiram o desenvolvimento de ações culturais nos bairros, dando ao povo condições para o fortalecimento da cultura local além de possibilitar também a obtenção de outros capitais simbólicos.
Precisamos de espaços culturais atendendo ao povo, servindo para seu crescimento humano. O Centro Cultural que servira a tantos espetáculos teatrais, formando uma geração de cametaenses com sensibilidade para as artes, precisa ser reconstruído, ativado, implementando-se também outros espaços similares no município como um todo.
Cametá, celeiro de homens notáveis, como tão bem destaca o nosso poeta Alberto Mocbel, necessita dessas políticas públicas, dentre outras, mesmo face às dificuldades – e não são poucas, sabemos – que possam existir para desenvolvê-las.